sábado, 18 de setembro de 2010

“O TEMPO NÃO VOLTA, NOS AGUARDA” Wesley Corrêa Finger


“O TEMPO NÃO VOLTA, NOS AGUARDA”

Mesmo antes de cruzar a porta eu já o via. Sentado na varanda, em sua cadeira de vime trançado, uma inseparável cuia de chimarrão e uma história a ser contada:

“E como não recordar as sextas-feiras santas em que meu pai acordava toda a família bem cedo para colher marcela; difícil, pois talvez seja esta a mais profunda lembrança que guardo.

Lá estávamos, na cidade de Montenegro, enfrentando a conflitante realidade, na antiga casa de pau-a-pique. A cozinha quase sempre exalando os mais penetrantes aromas da culinária alemã. No entanto, por inúmeras vezes vi meus irmãos passarem fome, e, de fato eu mesmo pude sentir as paredes do estômago quase digerirem a si mesmas, pois em determinadas épocas a apouca caça de inverno (na época permitida) era insuficiente para atender a demanda de doze filhos. E a impiedosa geada do sul destruía boa parte do que plantávamos.

É difícil descrever a euforia das crianças (inclusive minha) ao verem meu pai despontando no horizonte da estrada, ostentando o resultado de horas de esforço: uma paca gorda ou um veado pardo> Uma atmosfera de incontestável esperança cobria aqueles momentos notáveis.

Muito depois de seu tataravô sair da Alemanha, com esposa e dois filhos a serem enterrados, vítimas da abominável carnificina da segunda guerra Mundial, enfrentando a brusca mudança de lar, em que com dezesseis anos vimo-nos obrigados a fugir da perniciosa e pestilenta febre tifóide e adotar Santa Catarina como nossa casa. Perdi amigos, perdi membros da família, estivemos muito perto de perder a esperança. Foi aí que o “território limpo” de 60 anos atrás nos acolheu. A cidade em que hoje vivo nada mais era do que uma via, onde alguns trabalhadores se uniram rodeando um rio, em seguida uma estrada...

Lembro-me nitidamente, tão claro quanto a água do antigo Rio Queimados, que ao passar pela principal rua da já então cidade via-se o moinho: a enorme construção, em uma elevação do terreno, com suas enormes rodas hidráulicas movendo-se ao sabor da correnteza... Em seu interior, como um coração vermelho e pulsante estavam as pedras, sedentas por triturar e moer, convertendo em farinha os grãos.

Eu já tomara como clichê o caminho ao moinho de pedra quando ensinei-o a meu filho mais velho, pois o ciclo não poderia parar, e a tradição sempre foi decisiva em minha vida.

Em uma vida pode-se ajudar a abrir caminho picaretas, e muitas vezes munido apenas de um facão que se herda do pai e o que foi vivido não se pode esquecer.

Ora, como era difícil a vida... a mim este difícil se tornará familiar, a ponto de ser agradável. Jamais ousaria comparar o tempo da velha tapera, com os infindáveis, monótonos e ‘agridoces’ dias de hoje”.

Ao longo dos anos sou frequentemente surpreendido pela dolorosa nostalgia..., guardo a lembrança do cheiro vindo da cozinha, da limpidez do ar, bem como do tempo que irrevogavelmente não volta, nos aguarda.

(Aluno do 7º série da Escola Básica Municipal João Theobaldo Magarinos)

Professora: Maria Vieira

2 comentários:

  1. Quem datilografou o texto não segui o manuscrito original. Há erros de digitação.

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  2. Parabéns a todos, alunos e professores, pela qualidade oferecida ao ouvinte e aos leitores nesses textos maravilhosos.
    Márcia Comelli - Secretária escolar

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